PEDIDO DE DESCULPAS

Miguel A Silva
3 min readAug 18, 2020

Não vou me desculpar.

Se eu fui embora, se não me despedi, se te deixei esperando uma resposta semana passada foi porque algo realmente grave aconteceu. E aconteceu. Talvez, eu tenha descoberto no cerne da semana que passou que, talvez, só talvez, eu precisasse de fato ficar comigo mesmo, unir as minhas partes. A física que performa quem sou eu e as vozes que parecem ecos na minha cabeça.

Olha, pode até parecer engraçado, mas eu me sinto como aquele vaso de cerâmica que você fez e me deu de presente no nosso primeiro dia de namorados juntos. Estou falando que me sinto como vaso, é porque pareço muito mais uma bricolagem das pessoas que eu fui do que um vaso unificado que fui. Lembro de quando quebrei quando corri para despedir de você, na última vez que você esteve aqui, e passei, por horas, tentando colocar cada peça daquele quebra cabeça.

Você sempre vem para ficar um fim de semana, mas, agora, com tudo isso que está acontecendo lá fora… Me parece que, se você vir, teremos que ficar uma semana ou mais e não quero que as coisas signifiquem mais do que elas são. Você é alguém e eu sou dois. Seríamos três pessoas encarceradas dentro de noventa metros quadrados, e bem sabemos, que você não lida bem com o meu outro eu, aquele que levanta barraca com o cobertor e reside no escuro dia após dia, até os remédios começarem a fazer efeito.

Eu tenho medo de que eu nunca consiga alguém que queira ficar de conchinha a três. Eu vim te dizer que não vou pedir desculpas. Semana passada, eu também era eu e a verdade é que esse eu admitiu, com o silêncio do vazio da resposta, que ele também não te quer mais aqui. Você pode não entender, não vou ficar me justificando para você. Você nunca me entendeu mesmo. Eu queria que tivéssemos descoberto isso antes, que éramos três.

Lavei sua blusa azul com letras garrafais vermelhas do Aerosmith com o amaciante antialérgico que compramos mês passado. Também deixei nossas fotos no porta-retrato, mas já coloquei seus livros numa caixa e fiz questão de colocar, no fundo, o livro daquele escritor chileno. Ele me traz recordações do dia em que você disse que eu não seria capaz e ainda pôs, na dedicatória, a frase do Bartetly. A verdade é que eu queria emoldurar o livro, junto com o meu novo título, só para te provar que eu sou capaz. Porém, sua provocação não era intencional, era? Aliás, você se desculpou por aquilo? Não me lembro, de todos os modos, não te responder foi menos dolorido do que você fazer eu duvidar de mim mesmo.

Eu não vou me desculpar. Na verdade, eu vim te dizer para não vir, para continuar aí, preferindo não fazer, como o Bartebly. Não vou me desculpar, vou me despedir e te agradecer, dizer obrigado. Mas, não posso estar com você agora. Primeiro, preciso estabelecer um relacionamento melhor entre o eu que está à luz de dançar músicas animadas dia após dia e o que está a se esconder no blackout do quarto e da tela que reprisa Friends pela decima vez.

Photo by Josh Nuttall on Unsplash

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Miguel A Silva

Master’s in literature studies from Federal University of Minas Gerais (UFMG) and Bachelor of Arts and Spanish Literature.